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O direito a habitação não mora aqui

  • Foto do escritor: Laura Caria
    Laura Caria
  • 6 de jun. de 2019
  • 3 min de leitura

Os despejos tomaram conta do quotidiano de milhares de famílias, de Norte a Sul do País, motivados pela especulação imobiliária e pela legislação. Para compreender melhor o fenómeno, o AbrilAbril falou com vários especialistas e foi a Alfama. 

A freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, agrega os típicos bairros de Alfama, Castelo, Baixa-Chiado e Mouraria, onde a expulsão de moradores mais se tem feito notar. De acordo com as estatísticas, entre 2013 e 2017 foram cerca de duas mil pessoas, o que dá mais de um habitante por dia. 

Partimos do Largo das Portas do Sol, convertido em parque de estacionamento de tuk tuks, para as labirínticas ruas de Alfama e de imediato tropeçamos nas mudanças produzidas pela especulação imobiliária e por um turismo desregulado.

Pelo caminho vamos registando as alterações e as denúncias que os habitantes deixam pelo bairro, não sem sermos olhados de soslaio. Afinal de contas, são muitos milhares os que diariamente entram em Alfama, grande parte deles em visitas guiadas, para observarem a resistente tipicidade deste bairro alfacinha. 

Descemos ao Museu do Fado, ponto de encontro com Lurdes Pinheiro, presidente da Associação do Património e da População de Alfama (APPA), onde ficamos a observar os milhares de turistas que vão preenchendo o Largo do Chafariz de Dentro. Daí partem em direcção ao miolo do bairro com a ajuda de guias identificados com chapéus de chuva, bandeiras ou outras sinalécticas.

Numa altura em que muitos dos seus habitantes já foram despejados ou têm ordem de expulsão e vários espaços apresentam fachadas e menus para «inglês ver», os guias turísticos mantêm um discurso voltado para a vivência típica de Alfama, assente no fado e na sardinha assada, que se come a cada esquina. 

«Alfama sempre teve pessoas a visitá-la mas não havia este fenómeno de os moradores serem expulsos das suas casas por causa do alojamento local. Por isso, hoje, as pessoas reagem mal ao turismo», explica Lurdes Pinheiro. 

A responsável da APPA afirma que há ruas em que não há um único morador que não tenha uma carta de expulsão e que, apesar de o bairro de Alfama sempre ter estado na mira da especulação imobiliária, a situação atingiu agora um novo patamar. 

«A APPA surgiu em 1987 para chamar a atenção da Câmara Municipal de Lisboa (CML) para a necessidade de reabilitação do bairro, com o mote “Alfama, recuperação ou morte”». E foi com a luta da associação junto dos moradores que a CML tomou medidas para formar gabinetes técnicos locais e instrumentos para a reabilitação do bairro», descreve. 

Mas o processo «começou a andar para trás desde que Santana Lopes ganhou a presidência da Câmara». «Foi um retrocesso para a cidade toda», acrescenta, frisando de seguida que o Município foi o «grande mentor» do realojamento de pessoas fora do bairro, designadamente nos bairros de Chelas, na zona Oriental de Lisboa. Os moradores nunca regressaram para recuperar as casas e, admite Lurdes Pinheiro, «persiste uma mágoa muito forte nas pessoas». 

A extinção de freguesias, iniciada na capital pelo então presidente da Câmara, António Costa – que a fixou no programa eleitoral de 2009 como uma prioridade «basilar», e estabelecida a nível nacional pelo governo de Passos e Portas, em 2012, foi outro marco negativo na vida das populações.

«Dantes, os gabinetes não realojavam ninguém sem falar primeiro com as juntas de freguesia e procurava-se sempre que as pessoas fossem realojadas dentro do bairro. Mas depois isso começou a perder-se: foi a extinção de freguesias, a crise económica, começaram a fechar-se serviços públicos aqui no bairro, a actividade que existia em Alfama acabou porque eram actividades económicas ligadas à alfândega e aos despachantes, fecharam escolas, esquadras e farmácias», descreve.


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